A mediação online é muito mais do que “fazer no zoom”, por Ana Maria Maia Gonçalves e Daniel Rainey
Ana Maria Maia Gonçalves (Presidente do ICFML) em conjunto com Daniel Rainey escreveram um artigo para Kluwer Mediation Blog sobre “A mediação online é muito mais do que fazer no Zoom”.
O artigo original está em língua inglesa, mas a seguir poderá ter acesso ao texto em língua portuguesa.
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A mediação online é muito mais do que fazer no Zoom
O maior evento educacional do ano da ICC, a Competição Internacional de Mediação, aconteceu de 5 a 11 de fevereiro de 2021 e, pela primeira vez em sua história, foi realizado online. Foi a sua 16ª edição e 48 universidades de 39 países competiram online, através de uma plataforma dedicada. Tem sido uma oportunidade para nós, profissionais de resolução de conflitos, fazer uma pausa e refletir sobre onde estamos com a “mediação online”.
Durante o ano passado, devido à pandemia, os mediadores foram forçados a se adaptar rapidamente e mover sua prática “online”. A adaptação teve que ser feita de forma rápida e sem preparo.
O lado positivo dessa “disrupção” é que ela impulsionou a adoção da comunicação por vídeo na mediação para um nível muito além do que os especialistas em Resolução de Disputas Online (ODR) conseguiram atingir em 20 anos de esforços. Leia o artigo visionário publicado por Colin Rule em 2000 e verá o que queremos dizer. Resumidamente podemos afirmar que a grande maioria dos mediadores não era tecnologicamente experiente e não estava interessado em se tornar mais experiente porque, bem, a resolução de disputas online “não funcionaria”. É altamente irônico, mas não surpreendente, que alguns daqueles que se arrastaram até agora se apresentem como especialistas em como mediar usando as TIC (tecnologias de informação e comunicação). Mas não vamos ficar atolados no passado, como dizemos na mediação: o verdadeiro problema com desta “disrupção” é que não houve tempo para fazer nenhuma formação. O uso ubíquo da comunicação por vídeo para fins familiares e sociais criou a ilusão de que a mediação online significava obter um bom computador, uma boa webcam, uma boa conexão com a Internet e um bom senso de improvisação. Mas aprender quais botões clickar no Zoom não significa que você foi treinado adequadamente em ODR (online dispute resolution). O Zoom é um canal de comunicação que podemos usar para fazer nosso trabalho, mas ser um mediador online eficaz exige uma gama muito mais ampla de habilidades e conscientização. Isso é o que instituições como o National Center for Technology and Dispute Resolution (NCTDR), ICORD (International Council for Online Dispute Resolution) e, mais recentemente, o IMI (International Mediation Institute) têm defendido e documentado em detalhe – veja, por exemplo, aqui. Para Adotar aa resolução de disputas on-line de forma eficaz e ética, existem várias áreas que os mediadores (terceiras partes no processo de mediação) precisam entender e dominar através de treinamento e educação ODR.
Primeiro, o Zoom e outras plataformas são meramente canais de comunicação – assim como as nossas interações verbais e não-verbais em reuniões presenciais são canais. Para que os mediadores sejam realmente bem-sucedidos como mediadores on-line, eles precisam aprender sobre os elementos e dinâmicas de comunicação apresentados pela comunicação on-line. Precisam aprender como compensar os elementos não-verbais e ambientais que perdemos quando trabalhamos online e como explorar as novas possibilidades oferecidas pela comunicação online. Uma regra simples pode ser resumida usando a palavra-chave “duplo”: pense duas vezes sobre tudo o que você faz, coloque o dobro de esforço do que no offline, etc. Por exemplo, pense duas vezes sobre como se posiciona para a câmara, sobre o seu plano de fundo – duas coisas que podem parecer adquiridas se você for um usuário normal do Zoom. Capturar a parte superior do corpo – e convidar outras pessoas a fazê-lo – ajudará a maximizar a comunicação não-verbal. O seu plano de fundo real ou virtual deve ajudar as partes a ler a sua expressão facial – a fronteira entre seu rosto e o plano de fundo deve ser o mais clara possível. Quando sorrir, sorria o mais visivelmente possível – sem ser falso. Abra a sala de mediação virtual pelo menos 15 minutos antes da hora programada para dar uma oportunidade para um chat (bate-papo) pré-sessão mais informal. Use emojis ou mensagens de texto através do chat (bate-papo) para reforçar as suas mensagens principais ou receber contribuições. Use ferramentas de pesquisa online para fazer verificações rápidas de como as coisas estão indo na sua sessão online e como o seu desempenho está impactando os presentes.
Em segundo lugar, os mediadores precisam entender que a sua preparação e a preparação das partes para uma sessão online é diferente e mais demorada do que a preparação para a mediação presencial. Os mediadores precisam decidir qual é a plataforma que desejam usar e se tornarem “fluentes” com ela e com as suas limitações e possíveis problemas – é essencial que eles inspirem confiança nas mentes das partes sobre o domínio da plataforma que estão usando. As partes também precisam ter confiança na plataforma. Basicamente, no trabalho presencial, não precisamos ensinar as partes a falar, mas trabalhar online significa que provavelmente temos que ajudar as partes a aprender a falar usando os recursos dos aplicativos online. Uma sessão de prévia com as partes ajudará a entender o nível de compreensão e utilização da plataforma pelas partes – a velha regra “não presuma nada” também se aplica aqui. Por exemplo, a maioria das partes pode ter utilizado o Zoom para videoconferência certas situações e poucas delas podem ter tido a oportunidade de ajustar a iluminação da webcam, usar as anotações, usar o chat (bate papo), os emojis ou até mesmo as salas separadas. Usar as primeiras sessões no processo de mediação para preparar as partes de modo a que elas estejam confortáveis com todos estes aspetos é uma obrigação do mediador.
Terceiro, cada um dos princípios éticos e padrões de prática para mediação são afetados pelo trabalho online. Como garantimos autodeterminação ao trabalhar online? Como avaliamos nossa própria competência e a competência das partes para participar da mediação? Como explicamos e garantimos privacidade e confidencialidade online? Todas essas questões e outras devem ser tratadas em um treinamento eficaz de ODR. Você pode consultar aqui os princípios éticos para a iniciativa ODR, que fornece uma lista exaustiva de preocupações éticas essenciais a um mediador que deseja atuar no ambiente online. http://odr.info/ethics-and-odr/
Em quarto lugar, a adaptação do processo para o ambiente online requer levar em consideração as diferentes variáveis da mediação, incluindo as necessidades das partes em relação às TIC. Deseja que o processo seja flexível e ágil? Qual é o impacto da mudança para o online nas partes? Para alguns, isso pode ser uma carga mental e, para outros, uma fonte de recompensa, mas falar sobre isso é importante. Você vai usar a comunicação de texto durante a mediação? Você vai usar apenas áudio? Ou você está simplesmente presumindo que a comunicação vídeo é o caminho a seguir? Mas quais foram os critérios que usou para tomar essa decisão? Pode encontrar mais informações neste artigo intitulado “Análise do processo de mediação online baseada no cérebro” para obter mais informações sobre o que ponderar. https://www.mediate.com/articles/Goncalves1.cfm.
Por fim, o trabalho online traz a possibilidade de se envolver em um trabalho assíncrono (permitindo reflexão e considerações tomadas com serenidade) e em trazer informações anônimas (reduzindo o perigo percebido pelos partes). O treinamento de ODR adequado aborda as possíveis formas de trabalhar online e identifica e explora aplicativos que tornam esse trabalho alternativo possível.
O ano de 2020 foi o ano da adaptação ao inesperado – podemos felicitar-nos pela nossa resiliência e agilidade. A experiência que adquirimos foi inestimável, mas não é suficiente para tornar a mediação online sustentável. Vamos ter certeza de que 2021 é o ano da profissionalização, o ano em que continuamos a explorar como tirar o máximo proveito deste ambiente online para garantir experiências online excecionais para as partes que escolhem a mediação. É hora de ir além do improviso.